segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Mais raparigueiro do que eu, só papai...

Por David Morais, licenciado em Geografia – UFC, personal dance, diretor de pesquisa, arte e cultura da ASPRODANÇA-CE (Associação dos profissionais de dança de salão do Ceará)
"Mais raparigueiro do que eu só papai - só papai - só papai Mais raparigueiro do que eu só papai - só papai - só papai... Chegou bebo em casa outra vez Amigo nem te conto ... Papai trassou mamãe ainda deu 50 conto... Mais raparigueiro do que eu só papai - só papai - só papai Mais raparigueiro do que eu só papai - só papai - só papai... Chegou bebo em casa outra vez Amigo nem te conto ... Papai trassou mamãe ainda deu 50 conto..."

Tentando pensar esta exuberante, magnífica, incomensurável, bom..., não tenho palavras para designar tamanha obra-prima. É bom lembrar que respeito quem consume isto aí acima. Quando pensamos em todos os fatos ocorridos no tempo dos cangaceiros, víamos como eles legitimavam o seu poder através de saques, estupros e assassinatos, é claro que não estou justificandos tais atrocidades, até porque já conversei com uma fugitiva vítima dos cangaceiros e pude perceber como era horrível tudo aquilo. Era fruto de vingança, quando um policial matou José Ferreira da Silva - o patriarca da família - enquanto ele debulhava milho, por causa de lutas de terras. Lampião achava que ser cabra macho, uma descrição de cunho machista, era sair cometendo todo tipo de atrocidade pelo interior do Nordeste.
O Rei do Baião Luiz Gonzaga achou que a melhor forma de "vingar", talvez esta não seja a palavra ideal por trazer uma carga negativa que nos lembra: "fazer justiça com as próprias mãos," a morte de seu primo Raimundo Jacó que fora cruelmente assassinado, era compor uma música. Este crime não obtivera a atenção devida da polícia daquela época, por este motivo Luiz Gonzaga não se conteve e com a música "a morte do vaqueiro", uma composição da parceria de dele com Nelson Barbalho, 1963, pode mostrar a todos, a ineficiência da segurança pública e também homenagear o vaqueiro assassinado através do seu canto. No lugar da construção de uma personalidade que endeusa o machismo Luiz Gonzaga teve sensibilidade para protestar em forma de música a sua angústia.
Vejam só: duas situações ocorridas na mesma região, mas com desfechos diferentes. Após análise feita podemos retornar ao nosso ponto de partida, sobre o que esta letra do início do texto quer nos mostrar. Egocentrismo machista exacerbado, como o de lampião? Autodeterminação que sou homem? Grande massa de seres não pensantes? Ineficiência judiciária? Ainda não consegui responder, mas enquanto busco a resposta, fico tentando imaginar a cena que a letra diz. Mais raparigueiro do que eu, ou seja não tem ninguém e se tiver, só papai, de novo só papai, de novo só papai, logo a autodeterminação como causa hereditária. Mas como vimos para ter certeza a frase se repete 2 vezes na mesma estrofe. Chegou bebo em casa outra vez, isto é, já é uma rotina, infelizmente um drama ocorrido com milhares de famílias no Brasil e que já é sabido de todos, pois alguém tem ou conhece um caso desse tipo. Famílias que ficam órfãos de pais por causa do alcoolismo.
Penso que a Lei Maria da Penha só veio para nos mostrar quão grandes brutamontes nós somos. Papai "trassou" acho que quer dizer passou um trasso ou uma reta. Busquei no dicionário eletrônico, a existência desta palavra e encontrei, "no momento não dispomos de definição para a palavra trassar. Ou a grafia está incorreta ou essa palavra ainda não consta em nossos bancos de dados", pode ser que a encontremos talvez em algumas destas universidades michurucas, tipo aquelas que o papai paga e que o filho nem aparece por lá. E continua, e ainda deu 50 conto, hoje nem prostituta cobra 50 reais, mas a mamãe do indivíduo, eu disse isso mesmo a mamãe, recebeu 50 conto, não foi nem reais, logo após o "trasso." Ficou pensando a que ponto nós chegamos. E olha que nem falei das acompanhantes destes machistas que estão curtindo tais "músicas" nas festas e que devem gestualizar, "se ele é raparigueiro, eu sou a rapariga" e ainda diz: "com muito orgulho." Espero sinceramente, que não chegue o dia em que estas letras passem a influenciar o uso de termos como "eu atiro em você" ou "esfaqueio você", porque "tapa na cara" já teve e foi sucesso em todo Brasil.

Um comentário:

  1. Excelente, Dina. Essas letras são ridículas e desrespeitosas. Ms sempre tem alguém, para defendê-las como cultura popular. Seria mediocrizar demais nosso povo. A opção é mesmo a educação e o desprezo. Não escutar, não estimular, não comentar... E nem sequer rir delas. Desprezo puro e simples.

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