terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

CHUVA

por Moreira Campos

                                                                                                                                                                                                                                                                    













São as primeiras águas de janeiro. 
Banham-se as folhas, 
sobe do chão o cheiro de terra molhada, 
que me penetra 
e repentinamente me transporta. 
Há pedaços de infância nesta chuva. 
Tento reconstituir o retábulo de azulejo, 
traço com traço.
Um azulejo antigo,
de ingenuidade colonial.

O banho sob o jacaré na calçada?
O mergulho no Poço das Pedras?
A fria fuligem vinda da telha-vã
e que caiu na minha rede?
A oração que minha mãe me ensinou
e que o homem esqueceu?

A voz rolada do trovão que amedronta,
porque vinda das origens?
O relâmpago que iluminou o guarda-roupa?
(Minha mãe cobria todos os espelhos).
A manhã que amanheceu lavada como a minha infância,
com asas de insetos na calcada?

Tento viajar no tempo,
reconstituir os desenhos do retábulo.
Inútil.
Só o imponderável.
E esta chuva,
que chora em gotas na vidraça,
como eu me choro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário