Zenilce Vieira Bruno - Psicóloga, sexóloga e pedagoga
Vivemos em uma cultura muita preocupada com acúmulo de seus bens, organização da vida, agenda lotada, relacionamentos adultos racionais, e com o olhar direcionado para um futuro tranquilo com patrimônio garantido. Haverá lugar para a vivência significativa do afeto para essas pessoas que têm tanta pressa e não sabem realmente para onde vão?
Somos todos carentes de dar e receber afeto, por isso penso ser tão difícil armazená-lo. Mas alguns conseguem e até se enaltecem disso; são donos do sentimento, não podem perdê-lo: “é meu, não dou, não troco, não negocio”. E caminham pela vida com esse sentimento guardado num cofre, ignorando que se não for retroalimentado deixa de ser sentimento. A necessidade de acumular se tornou tão enlouquecedora que até o afeto é um patrimônio, e assim o sendo não posso perdê-lo.
Penso no valor que é inerente aos projetos que fazemos de ser feliz. Há uma intenção que estrutura positivamente a busca e facilita frente à vida e ao que dela pretendemos, embora nem sempre seja possível realizar o que se tem em mira.
Creio que a luta amorosa tem também essa dignidade, esse sentido que lhe é inerente, mesmo que não se alcance o cume da experiência. Acredito que perdemos tempo quando esperamos o amor. Não encontramos o amor em si, mas razões para amar. E estas razões estão em nós e a nossa volta, mas frequentemente não as vemos ou não as percebemos. Limitamo-nos a pensar que está guardado em algum lugar.
Não podemos é nos deter no “que seja pelo resto da vida”, porque na verdade o resto da vida é tudo aquilo que se vive ao final de cada etapa. Assim atravessamos muitos “restos da vida”, porque as vidas se sucedem de restos que nascem desses finais. Na trajetória amorosa, queremos, como em tudo, a felicidade. Mas ela não é previsível, não é controlável, não a possuímos. Dela não nos apropriamos. Ela não é do tamanho do nosso cofre. Ela é sempre maior.
Necessitamos encontrar aquilo que une, que vincula, que funde com o outro, que garante crescimento na arriscada aventura da partilha amorosa. Precisamos ter a quem dedicar afeto e com quem possamos partilhar o sentido encontrado para a vida. O afeto precisa ser correspondido, precisa dessa partilha para desenvolver-se. A privação afetiva é exatamente muito nociva porque nos impede de ousar, de descobrir e utilizar o melhor de nós próprios.
Talvez esse texto seja um daqueles que tem endereço certo: é para alguém que está de mudança e se despedindo. A ambivalência se apossa do momento, a dor do deixar partir e o prazer de se deixar doar.
Embora viva conosco, assim como os filhos, o amor não nos pertence. No entanto, teremos de reinventá-lo para não ficar na nostalgia e viver o passo seguinte da vida que continua. Faço minhas as palavras de Frejat: “Desejo que você tenha a quem amar e quando estiver bem cansado, ainda exista amor pra recomeçar”.
Fonte: Jornal O POVO 24.09.2011
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